quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Encontro de Dinamizadores - NTE-Palmeiras

Cavalo e o burro, ilustração de Frances Barlow, metade do século XVII

O cavalo e o burro (Monteiro Lobato)

O cavalo e o burro seguiam juntos para a cidade. O cavalo contente da vida, folgando com uma carga de quatro arrobas apenas, e o burro — coitado! gemendo sob o peso de oito. Em certo ponto, o burro parou e disse:

— Não posso mais! Esta carga excede às minhas forças e o remédio é repartirmos o peso irmãmente, seis arrobas para cada um.

O cavalo deu um pinote e relichou uma gargalhada.

— Ingênuo! Quer então que eu arque com seis arrobas quando posso tão bem continuar com as quatro? Tenho cara de tolo?

O burro gemeu:

— Egoísta, Lembre-se que se eu morrer você terá que seguir com a carga de quatro arrobas e mais a minha.

O cavalo pilheriou de novo e a coisa ficou por isso. Logo adiante, porém, o burro tropica, vem ao chão e rebenta.

Chegam os tropeiros, maldizem a sorte e sem demora arrumam com as oito arrobas do burro sobre as quatro do cavalo egoísta. E como o cavalo refuga, dão-lhe de chicote em cima, sem dó nem piedade.

— Bem feito! exclamou o papagaio. Quem mandou ser mais burro que o pobre burro e não compreender que o verdadeiro egoísmo era aliviá-lo da carga em excesso? Tome! Gema dobrado agora…

***
Em: Criança Brasileira, Theobaldo Miranda Santos, Quarto Livro de Leitura: de acordo com os novos programas do ensino primário. Rio de Janeiro, Agir: 1949.
VOCABULÁRIO:
Folgando: descansando, alegrando-se; excede: ultrapassa; arque: aguente; tropica: tropeça; maldizem: lamentam; refuga: rejeita.

José Bento Monteiro Lobato, (Taubaté, SP, 1882 – 1948). Escritor, contista; dedicou-se à literatura infantil. Foi um dos fundadores da Companhia Editora Nacional. Chamava-se José Renato Monteiro Lobato e alterou o nome posteriormente para José Bento.

Fonte: http://peregrinacultural.wordpress.com/2009/06/25/o-cavalo-e-o-burro-fabula-texto-de-monteiro-lobato/

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Conteúdo Programático

3ª SÉRIE

1. BREVE RETROSPECTIVA
1.1. Grandes mestres da sociologia
1.1.1. Jean-Jacques Rousseau
1.1.2. Augusto Comte
1.1.3. Karl Marx
1.1.4. David Émile Durkheim
1.1.5. Max Weber
1.1.6. Gilberto Freire
1.2. Por que estudar Sociologia
1.3. Conceitos básicos: relações sociais e políticas
1.3.1. Ação e interação social
1.3.2. Normas e sanções sociais
1.4. Ciência da Sociedade
1.5. Sistemas Econômicos
1.5.1. A pobreza. a fome, a questão ambiental, os conflitos raciais, étnicos e religiosos e outras questões.


2. INSTITUÇÕES SOCIAIS
2.1. Rede de relações sociais
2.1.1. Interação social
2.1.2. Papéis sociais
2.1.3. identidades sociais
2.2. Interdependência das instituições
2.3. Características fundamentais
2.3.1. exterioridade
2.3.2. objetividade
2.3.3. coercitividade
2.3.4. autoridade moral
2.3.5. historicidade
2.4. Principais instituições
2.4.1. Família
2.4.1.1. modelo nuclear e patriarcal
2.4.1.2. movimentos de emancipação feministas
2.4.1.3. inversão de papéis
2.4.1.4. relações de trabalho
2.4.2. Escola
2.4.2.1. Definição e finalidades
2.4.2.2. Objetivos da educação
2.4.2.3. Instituições educacionais
2.4.2.4. Educadores, educandos e outros grupos
2.4.3. Estado
2.4.3.1. Teorias sobre a origem e a finalidade do Estado
2.4.3.2. Conceito no campo do Direito, da Política e da Economia
2.4.3.2.1. soberania
2.4.3.2.2. estrutura de funcionamento
2.4.3.2.3. sistemas de poder
2.4.3.2.4. formas de governo
2.4.3.2.5. regimes políticos
2.4.3.2.6. relações entre o público e o privado
2.4.3.2.7. dinâmica entre centralização e descentralização do poder
2.4.3.3. Formas históricas de Estado
2.4.3.3.1. Absolutismo
2.4.3.3.2. Liberal
2.4.3.3.3. Democrático
2.4.3.3.4. Socialista
2.4.3.3.5. Elfare-State (Bem-Estar)
2.4.3.3.6. Neoliberal
2.4.3.4. Dinâmica política
2.4.3.4.1. O Estado e a sociedade
2.4.3.4.2. Partidos Políticos
2.4.3.4.3. Grupos de interesses e movimentos sociais
2.4.3.5. Relações entre Estado e Sociedade
2.4.3.5.1. exercício da democracia
2.4.3.5.2. legalidade e legitimidade
2.4.3.5.3. direitos do cidadão
2.4.3.5.4. formas de participação política
2.4.3.5.5. movimentos sociais e a construção da cidadania

3. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO
3.1. Teoria
3.1.1. das etapas do crescimento econômico
3.1.2. da modernização
3.1.3. da dependência
3.2. Indicadores do desenvolvimento
3.2.1. Vitais
3.2.2. Econômicos
3.2.3. Sociais
3.2.4. Políticos

4. FATOS SOCIAIS
4.1.1. Cultura
4.1.2. Civilização
4.1.3. Identidades sociais
4.1.4. Ideologia
4.1.5. Identidade cultural
4.1.6. Meios de comunicação de massa
4.1.7. Alienação e conscientização
4.1.8. Vida social
4.1.9. Linguagens
4.1.10. Comunicação e interação

5. MUDANÇA SOCIAL
5.1. Conceito
5.2. Fatores contrários e favoráveis
5.3. Conseqüências
5.3.1. reforma
5.3.2. revolução

6. A REALIDADE DA VIDA COTIDIANA
6.1. Objetivação
6.1.1. exteriorização da realidade
6.1.2. institucionalização e configuração de papéis sociais
6.1.3. legitimação dos universos simbólicos e seus mecanismos de manutenção
6.2. Subjetivação
6.2.1. interiorização da realidade
6.2.2. processo de socialização

7. OS MODOS DE VIDA NA ATUALIDADE
7.1. A padronização mundial dos modos de vida pelo processo de globalização da sociedade.
7.1.1. As semelhanças das paisagens mundiais (as cidades, os estabelecimentos comerciais, a moda):
7.1.2. A sociedade de consumo (o ritmo de vida, o papel da mídia na padronização de usos e costumes).
7.2. A dinâmica da sociedade mundial:
7.2.1. O processo produtivo da sociedade;
7.2.2. Desigualdades sociais;
7.2.3. A questão do desenvolvimento e subdesenvolvimento;
7.2.4. Os movimentos migratórios;
7.2.5. O crescimento e a concentração espacial da população.
7.3. O espaço urbano-rural como resultado do modo de vida capitalista:
7.3.1. O processo de urbanização:
7.3.2. A vida urbana na atualidade: (metrópole, conurbação, rede urbana, estrutura populacional, crescimento vegetativo, migração, população economicamente ativa);
7.3.2.1. A organização territorial da indústria;
7.3.2.2. Industrialização e urbanização;
7.3.2.3. Os problemas ambientais urbanos.
7.3.3. A vida rural na atualidade.
7.3.3.1. As formas de organização da produção no espaço rural (extrativa, agrícola, industrial):
7.3.3.1.1. Cultura comercial e de subsistência; Produção extensiva e intensiva;
7.3.3.1.2. As relações de trabalho: A estrutura fundiária.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Negrinha (Monteiro Lobato)

Negrinha
Monteiro Lobato


Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.

Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.

Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.

Ótima, a dona Inácia.

Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava logo nervosa:

— Quem é a peste que está chorando aí?

Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero.

— Cale a boca, diabo!

No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...

Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.

— Sentadinha aí, e bico, hein?

Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas.

— Braços cruzados, já, diabo!

Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante.

Puseram-na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.

Que idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica. A epidemia andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada assim — por sinal que achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria um gostinho só na vida — nem esse de personalizar a peste...

O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta...

A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer coisinha”: uma mucama assada ao forno porque se engraçou dela o senhor; uma novena de relho porque disse: “Como é ruim, a sinhá!”...

O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:

— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...

Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a duas mãos, o sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” nada melhor!

Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com aquela história do ovo quente.

Não sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a revolta — atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias.

— “Peste?” Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa.

Dona Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se.

— Eu curo ela! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual perua choca, a rufar as saias.

— Traga um ovo.

Veio o ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando-se na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam a mísera criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula alguma coisa de nunca visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:

— Venha cá!

Negrinha aproximou-se.

— Abra a boca!

Negrinha abriu aboca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher, tirou da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente, pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:

— Diga nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?

E a virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário que chegava.

— Ah, monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, filha da Cesária — mas que trabalheira me dá!

— A caridade é a mais bela das virtudes cristas, minha senhora —murmurou o padre.

— Sim, mas cansa...

— Quem dá aos pobres empresta a Deus.

A boa senhora suspirou resignadamente.

— Inda é o que vale...

Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.

Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo tremendo.

Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos.

Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: “Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga”?

Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral —sofrimento novo que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança encorujou-se no cantinho de sempre.

— Quem é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa.

— Quem há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem, filhinhas, a casa é grande, brinquem por aí afora.

— Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco.

Chegaram as malas e logo:

— Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas.

Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos.

Que maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que falava “mamã”... que dormia...

Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.

— É feita?... — perguntou, extasiada.

E dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a providenciar sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão,o ovo quente, tudo, e aproximou-se da criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito, sem ânimo de pegá-la.

As meninas admiraram-se daquilo.

— Nunca viu boneca?

— Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?

Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade.

— Como é boba! — disseram. — E você como se chama?

— Negrinha.

As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:

— Pegue!

Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.

Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.

Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.

Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:

— Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?

Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.

Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...

Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.

Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!

Assim foi — e essa consciência a matou.

Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa voltou ao ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada.

Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de coração, amenizava-lhe a vida.

Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos.

Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso inferno, envenenara-a.

Brincara ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.

Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam-lhe em torno, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de louça — abraçada, rodopiada.

Veio a tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu de boca aberta.

Mas, imóvel, sem rufar as asas.

Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou...

E tudo se esvaiu em trevas.

Depois, vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira — uma miséria, trinta quilos mal pesados...

E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das meninas ricas.

— “Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”

Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia.

— “Como era boa para um cocre!...”





Monteiro Lobato, natural de Taubaté (SP), nasceu em 18/04/1882. É uma das figuras excepcionais das letras brasileiras. Jornalista, contista, criador de deliciosas histórias para crianças, suscitador de problemas, ensaísta e homem de ação, encheu com seu nome um largo período da vida nacional. Com a publicação do livro de contos "Urupês", em julho de 1918, quando já contava com 36 anos de idade, chama para o seu talento de escritor a atenção de todo o país. Cita-o Ruy Barbosa, em discurso, encontrando no seu Jeca Tatu um símbolo da realidade rural brasileira. Lança-se à indústria editorial, publica livros e mais livros — "Onda Verde", "Idéias de Jeca Tatu", "Cidades Mortas", "Negrinha", "Fábulas", "O Choque", etc. Fracassa como editor, ao lançar a firma Monteiro Lobato & Cia., mas volta com a Companhia Editora Nacional, ao lado de Octales Marcondes, e triunfa. Tenta a exploração de petróleo, e acaba na cadeia, perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas. Não só escreve, como traduz sem pausa, dezenas e dezenas de livros, especialmente de Kipling. Uma vida cheia. E uma grande obra, que lhe preservará o nome glorioso. Foi um grande homem, um grande brasileiro e um dos maiores escritores — em todo o mundo — de histórias para crianças. Basta dizer que, no período de 1925 a 1950 foram vendidos aproximadamente um milhão e quinhentos mil exemplares de seus livros.

Era, de fato, um ser plural: escritor precursor do realismo fantástico, escritor de cartas, escritor de obras infantis, ensaísta, crítico de arte e literatura, pintor, jornalista, empresário, fazendeiro, advogado, sociólogo, tradutor, diplomata, etc. Faleceu na cidade de São Paulo (SP), no dia 04 de julho de 1948.



O texto acima foi publicado originalmente em livro do mesmo nome, tendo sido selecionado por Ítalo Moriconi e consta de "Os cem melhores contos brasileiros do século", editora Objetiva — Rio de Janeiro, 2000, pág. 78.





quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Estudando o processo de comunicação

No mundo non me sei parella,
Mentre me for’ como me vai,
Ca já moiro por vós – e ai
Mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraia
Quando vos eu vi em saia!
Mão dia me levantei,
Que vos entorn non vi fea!

E, mia senhor, des aquel di’, ai!
Me foi a mi muin mal,
E vós, filha de don Paai
Moniz, e bem vos semelha
D’aver eu por vós guarvaia,
Pois eu, mia senhor, d’alfaia
Nunca de vós ouve nem ei valia d’ua Correa.
(Paio Soares Taveirós)


No mundo ninguém se assemelha a mim (parelha: semelhante)
enquanto a minha vida continuar como vai
porque morro por vós, e ai
minha senhora de pele alva e faces rosadas,
quereis que vos descreva (retrate)
quando vos eu vi sem manto (saia: roupa íntima)
Maldito dia! me levantei
que não vos vi feia (ou seja, a viu mais bela)

E, minha senhora, desde aquele dia, ai
tudo me foi muito mal
e vós, filha de don Pai -
Moniz, e bem vos parece
de ter eu por vós guarvaia (guarvaia: roupa luxuosa)
pois eu, minha senhora, como mimo (ou prova de amor)
de vós nunca recebi
algo, mesmo que sem valor. (correa: coisa.sem valor)


ps. colaborador/Gustavo

sábado, 9 de janeiro de 2010

Você sabe o que é palíndromo?

É a leitura da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda sem modificação.
 
Exemplos com palavras: anilina, merecerem, omissíssimo.
  
Exemplos com frases:
  
A base do teto desaba.
A droga do dote é todo da gorda.
Laço bacana para panaca boçal.
O teu drama é amar dueto.
O terrível é ele vir reto.
É até o Papa poeta é.
Tucano na CUT.
Reter e rever para prever e reter.
Oto come doce seco de mocotó.
A cara rajada da jararaca.
A mala nada na lama (Millôr)
Ataca paca pacata.
O míssil é belíssimo.
O teu drama é amar dueto.
Assim a aia ia à missa.
Roma me tem amor.
Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos.
 
fonte: http://capcursos.com.br, 09/01/2010

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Deus

Olha para os meus filhos.
Fortifica-os para que cresçam felizes
e tenham olhos que lembrem
a tranqüilidade de um lago,
a firmeza de um rochedo
e a luz da esperança.

Dá-lhes uma saúde integral,
uma inteligência completa
e um sentimento vivo.

Põe nos seus corações
a reverência aos Teus ensinamentos,
o respeito aos outros,
o amor ao trabalho,
a dedicação ao estudo,
a candura e a obediência.

Para tornar-me digna deles
e não lhes transmitir nervosismo,
desajuste, tristeza, medo ou maldade,
envolve-me em tranqüilidade, equilíbrio,
alegria, coragem e bondade.

E ensina-me a descobrir
as virtudes que eles têm,
a elogiá-los sem exageros e
a corrigi-los com sabedoria.

Em primeiro lugar, pois,
modela-me a alma grande e generosa,
para amá-los na semelhança do Teu amor.

Obrigado! Meu Deus! Obrigado!”

Eu amo você para todo o sempre!

O assassino era o escriba

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado de sua vida,
regular como um paradigma da 1ª conjunção.

Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito
assindético de nos torturar com um aposto.

Casou com uma regência.
Foi infeliz.

Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido na sua bagagem.

A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conectivos e agentes da passiva o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.

(Poema extraído do livro Caprichos e relaxos de Paulo Leminsky.
São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 144).

Aquilo

Há uma estória popular, de autor desconhecido, ilustrando bem a situação de pessoas, na empresa, que sempre deixam as tarefas serem feitas por outras.

“Houve uma época em que existiam quatro pessoas chamadas Todo Mundo, Alguém, Qualquer Um e Ninguém. Conta a estória que havia um trabalho muito importante a ser feito e Todo Mundo se assegurou que Alguém faria. Qualquer Um poderia fazê-lo, mas Ninguém o fez. Alguém ficou bravo a respeito porque esse era o trabalho de Todo Mundo, mas Ninguém percebeu que Todo Mundo pensou que Alguém iria fazê-lo. No fim, terminou que Todo Mundo culpou Alguém quando Ninguém fez o que Qualquer Um poderia fazer”.

Partindo da idéia do que “aquilo que é bom hoje pode não ser mais amanhã”, é necessário que as sociedades sejam regulamentadas em contrato social. Nada deve ficar apenas nas palavras.

Quando aquilo apareceu na cidade, teve gente que levou um susto.
Teve gente que caiu na risada.
Teve gente que tremeu de medo.
E gente que achou uma delícia.
E gente arrancando os cabelos.
E gente soltando rojões.
E gente mordendo a língua, perdendo o sono, gritando viva, roendo as unhas, batendo palma, fugindo apavorada e ainda gente ficando muito, muito, muito feliz.

Uns tinham certeza de que aquilo não podia ser de jeito nenhum.
Outros também tinham certeza. Disseram: — Viva! Que bom! Até que enfim!
Muitos ficaram preocupados. Exigiram que aquilo fosse proibido. Garantiram que aquilo era impossível. Que aquilo era errado. Que aquilo podia ser muito perigoso.
Outros, tranqüilos, festejaram, deram risada, comemoraram e, abraçados, saíram pelas ruas, cantando e dançando felizes da vida.
Alguns, inconformados, resolveram perseguir aquilo. Disseram que aquilo não valia nada. Disseram que era preciso acabar logo com aquilo ou, pelo menos, pegar e mandar aquilo para bem longe.
Muitos defenderam e elogiaram aquilo. Juraram que aquilo era bom. Que aquilo ia ser melhor para todos. Que esperavam aquilo faz tempo. Que aquilo era importante, bonito e precioso.
Alguém decidiu acabar com aquilo de qualquer jeito.

Mas outro alguém disse não! E foi correndo esconder aquilo devagarinho no fundo do coração.

Caro leitor: aquilo pode ser muitas coisas. Se sentir vontade, pegue um lápis e uma folha de papel e escreva sobre aquilo: diga, em sua opinião e em seu sentimento, o que é aquilo, como é aquilo, o que aquilo faz, de onde aquilo veio, para onde aquilo vai e que sentido, afinal, aquilo tem. Se quiser, desenhe aquilo também.
______________________________________
Conto de Ricardo Azevedo, extraído do livro Se Eu Fosse Aquilo... (publicado pela Editora Ática), ilustrado por Mauro Nakata

domingo, 27 de dezembro de 2009

O homem; as viagens


O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua

pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte
ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro
diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto
é isto?
idem
idem
idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.



Restam outros sistemas fora
do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.


 fonte: http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond05.htm




Todo Mundo, Alguém, Qualquer Um, Ninguém

“Havia um trabalho importante a ser feito
e todo mundo tinha certeza de que alguém o faria.


Qualquer um poderia ter feito, mas ninguém fez. 
Alguém zangou-se porque era um trabalho de todo mundo.

Todo mundo pensou que qualquer um poderia fazê-lo,
mas ninguém imaginou que todo mundo deixasse de fazê-lo.

Ao final, todo mundo culpou alguém quando ninguém fez o que qualquer um poderia ter feito.


Balada do Amor através das Idades

Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigámos, morremos.

Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Alguma Poesia'
fonte: http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809120218 

Poesia Geométrica


Pontudo poliedro
Ao entrar numa equação
Encontrou um Rombóide exemplar
De ângulos sem par
E negra simetria linear
"Eureka!", estremeceu.
"Newton, me ajude de verdade,
Que perco a gravidade!"
Doido negreiro,
Roçou o seu cateto
Nas quinas do parceiro
E, ao se sentir enorme
Disse baixinho, ao preto:
"Meu Deus, que cuneiforme!"
"Sou teu isógono"
Disse o Rombóide, lacônico.
"Mas pode me chamar de isogônico."
E os dois propuseram

E x MC2 - 3,1416 (24) x 69   ou seja
477ª 15

Um teorema disforme
Em carícias ardentes,
Um amor trapeziforme
Bissectando linhas confluentes.
Neste instante, porém, surgiu o Heptaedro.
Que, com olhar oblíquo, gargalhou a verdade pendular,
"Somos todos heterógonos.
E isto um triângulo sexangular!"
E, cheio de apetite,
Propôs uma unidade tripartite.
Mas repressão é coisa séria
Elementos cheios de hidrostática
Saltaram da quarta-matéria
E, com força Kinética,
Atacaram a proposta sexo-estética:
"Prendam esse trio amoral
Poligonal
Por movimentos secantes
Revoltantes.
Gestos esféricos
Histéricos,
E atitudes contangentes
Indecentes!
E não venham com lérias:
Galileu já falava
Da excrescência das matérias
"Amado Poliedro" gemeu o Rombóide.
"Essas figuras obtusas
Vão nos meter na hipotenusa!"
"Comigo aqui"
Disse Poli
"Ninguém te fará mal, reto ou oblíquo!"
E, com socos ubíquos
Nos críticos
Golpes elípticos
Em moelas
Pernadas paralelas
Em deltóides
E pontapés ovóides
Em umbigos,
Se pôs a derrubar os inimigos.

A força de tal paixão
Atraiu num instante
A patrulha angular policitante
Que transformou os atacantes numa nuvem etérea
Com alguns rojões de antimatéria

Nossa história se encerra
Com a vitória do Amor-Verdade
Que não explode
A população da Terra
.


O Pif-Paf/O Cruzeiro, 1949

Poesia Matemática

Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a, do Ápice à Base,
uma figura ímpar:
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo octogonal, seios esferóides.
Fez da sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar,
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.
 

O Pif-Paf/O Cruzeiro, 1949

Que Manoel Bandeira me perdoe, mas

Vou-me embora de Pasárgada
Vou-me embora de Pasárgada
Sou inimigo do Rei
Não tenho nada que eu quero
Não tenho e nunca terei
Aqui eu não sou feliz
A existência é tão dura
As elites tão senis
Que Joana, a louca da Espanha,
Ainda é mais coerente
Do que os donos do país.

A gente só faz ginástica
Nos velhos trens da Central
Se quer comer todo dia
A polícia baixa o pau
E como já estou cansado
Sem esperança num país

Em que tudo nos revolta
Já comprei ida sem volta
Pra qualquer outro lugar
Aqui não quero ficar.
Vou-me embora de Pasárgada

Pasárgada já não tem nada
Nem mesmo recordação
E nem fome nem doença
Impedem a concepção
Telefone não telefona
Drogas são falsificadas
E prostitutas aidéticas
São as nossas namoradas.

E se hoje acordei alegre
Não pensem que vou ficar
Nosso futuro já era
Nosso presente já foi
Dou boiada pra ir embora
Pra ficar não dou um boi .
Dou quase nada, coisa pouca,
Somente uma vaca louca. 


Ponto de vista: Lya Luft


Não vou pra Pasárgada

"Achei que em Pasárgada eu correria menosrisco de me tornar descrente. Eu, que detestoo ceticismo, agora tenho medo de me contagiar"
Ilustração Atômica Studio

Eu já estava de malas prontas: ia pra Pasárgada (para quem não se recorda, é o reino feliz inventado por Manuel, o Bandeira; para quem não sabe, ele foi um poeta maravilhoso). Queria escapar deste reino das frases infelizes e atitudes grotescas, dos reis feios e nus, das explicações cabotinas, da falta de providências e de autoridade, da euforia apoteótica de um lado e da realidade tão diferente de outro.

Pasárgada podia ser um bom lugar, onde se acredita nas instituições e nos líderes, onde vale a pena ser honrado e os malfeitores vão direto para a cadeia, onde se tomam providências antes que tudo desabe. Lá, ao contrário daqui – em que a manada se divide entre os ingênuos, os que sabem das coisas mas se conformam e os aproveitadores –, autoridade serve para cuidar do bem do povo, decoro é simplesmente decência, seja em algum cargo, seja na vida cotidiana de qualquer um.

Na minha nova pátria eu tentaria não escrever mais sobre o que por estas bandas tem me angustiado ou ameaça transformar-se num tristíssimo tédio: sempre os mesmos assuntos? Mandaria só questionamentos sobre o que faz a vida valer a pena: as coisas humanas, como família, educação, transformações, relacionamentos e separação, responsabilidades e escolhas, alegria, vida e morte, incomunicabilidade e o mistério de tudo – até a dor (mas que seja uma dor decente).

Nem problema de transporte eu teria: para Pasárgada se viaja com o coração e o pensamento. Ainda bem, pois de avião seria loucura e risco. Desses meses todos me ficou inesquecível o trabalhador humilde cochilando numa cadeira de aeroporto que, entrevistado sobre toda a confusão, respondeu: "A casa já caiu, o brasileiro tem de se conformar". Ninguém faz nada? – perguntam-se as pessoas, no limite de sua capacidade de espanto. A impressão que estávamos tendo, nós, comuns mortais, era que resolver problemas e impor ordem importava bem menos do que distribuir ilusões como quem distribui pirulitos. É para rir ou para chorar? Ora rimos, ora choramos, esse é o novo jeito brasileiro de ser.

Cresce a economia, encolhe a respeitabilidade; pisca uma luzinha de esperança, mas a seriedade extraviou-se. Poucos andam à sua procura. Aumenta o isolamento dos homens e mulheres públicos respeitáveis, que mais parecem dinossauros sobreviventes de um tempo em que seria totalmente impensável o que hoje é pão nosso de cada dia. Eu ia embora porque enjoei dessa repetição obsessiva de fatos que provocam insônia no noticioso da noite e náusea no café-da-manhã. Ia partir sem endereço, sem telefone, sem e-mail. Levaria comigo pássaros, crianças e esta paisagem diante da minha janela (com nevoeiro, porque aí é de uma beleza pungente). Levaria família, amigos, livros, música e o homem amado. Ah, e as minhas velhas crenças de que não somos totalmente omissos ou sem caráter, portanto este país ainda teria jeito, embora neste momento eu não tenha muita fé nisso.

Achei que em Pasárgada eu correria menos risco de me tornar descrente: eu, que detesto o ceticismo e não vivo bem com os pessimistas, agora tenho medo de me contagiar. Podia me livrar da suspeita de que por trás de tudo isso existe algo muito sério, gravíssimo, que nós, rebanho alienado, desconhecemos. Quem sabe até terminasse o romance que venho escrevendo, num compasso de desânimo que nada tem a ver com literatura: nasce do meu amor por este país, ao qual dei meus filhos e meus netos para nele crescerem.

Mas então, entre lideranças que negavam qualquer problema, fazendo afirmações estapafúrdias e divertindo-se talvez com nossa agonia, soprou um vento de lucidez e autoridade – parece que as coisas se reorganizam. Botar a casa em ordem ao menos nos aeroportos não podia ter levado tanto tempo, pobres de nós, mas hoje não precisarei ter medo se um de meus filhos viajar de avião. Amanhã é um enigma (sabe se lá o que vai acontecer no breve intervalo entre escrever esta coluna e ela ser publicada).

E assim, na última hora, decidi ficar. Acho que me sentiria como quem deserta de um grupo com o qual tem laços muito fortes: meus leitores. Os que me acompanham, os que pensam diferente e até os indignados – às vezes por terem lido algo que nem estava ali. Todos são importantes para mim. Com eles tem sido imensamente estimulante partilhar alegrias e preocupações, descobertas ou receios. Afinal, somos irmãos, filhos desta mãe, que, com decoro, firmeza e vontade, será melhor do que qualquer Pasárgada inventada.


Lya Luft é escritora

sábado, 19 de dezembro de 2009

Perguntaram pra mim: Sofisma, o que é?

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Ir para: navegação, pesquisa

Sofisma (do grego antigo σόϕισμα -ατος, derivado de σοϕίξεσϑαι "fazer raciocínios capciosos") em filosofia, é um raciocínio aparentemente válido, mas inconclusivo, pois é contrário às próprias leis. Também são considerados sofismas os raciocínios que partem de premissas verdadeiras ou verossímeis, mas que são concluídos de uma forma inadmissível ou absurda. Por definição, o sofisma tem o objetivo de dissimular uma ilusão de verdade, apresentado-a sob esquemas que aparentam seguir as regras da lógica.

É um conceito que remete à ideia de falácia, sem ser necessariamente um sinônimo.

Historicamente o termo sofista, no primeiro e mais comum significado, é equivalente ao paralogismo matemático, que é uma demonstração aparentemente rigorosa que, todavia, conduz a um resultado nitidamente absurdo. Atualmente, no uso freqüente e do senso comum, sofisma é qualquer raciocínio caviloso ou falso, mas que se apresenta com coerência e que tem por objetivo induzir outros indivíduos ao erro mediante ações de má-fé.
fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sofisma

Sofistas ?

Para aqueles que me perguntaram...
Após as grandes vitórias gregas, atenienses, contra o império persa, houve um triunfo político da democracia, como acontece todas as vezes que o povo sente, de repente, a sua força. E visto que o domínio pessoal, em tal regime, depende da capacidade de conquistar o povo pela persuasão, compreende-se a importância que, em situação semelhante, devia ter a oratória e, por conseguinte, os mestres de eloqüência. Os sofistas, sequiosos de conquistar fama e riqueza no mundo, tornaram-se mestres de eloqüência, de retórica, ensinando aos homens ávidos de poder político a maneira de consegui-lo. Diversamente dos filósofos gregos em geral, o ensinamento dos sofistas não era ideal, desinteressado, mas sobejamente retribuído. O conteúdo desse ensino abraçava todo o saber, a cultura, uma enciclopédia, não para si mesma, mas como meio para fins práticos e empíricos e, portanto, superficial.

A época de ouro da sofística foi - pode-se dizer - a segunda metade do século V a.C. O centro foi Atenas, a Atenas de Péricles, capital democrática de um grande império marítimo e cultural. Os sofistas maiores foram quatro. Os menores foram uma plêiade, continuando até depois de Sócrates, embora sem importância filosófica.

Protágoras foi o maior de todos, chefe de escola e teórico da sofística.
fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/sofistas.htm

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Origem do Nome Valma

Origem do Nome Valma

Qual a origem do nome Valma: TEUTÔNICO

Significado de Valma

Qual o significado do nome Valma: AQUELA QUE GUIA, QUE É DIRIGENTE.

Significado e origem do nome valma - Analise da Primeira Letra do Nome: V

Possui um lucidez incomum, especialmente no que se refere julgar o mundo e as pessoas. Sempre abre a boca para dizer a coisa certa. O problema é que não vive com os pés chão, e desliga sua atenção com uma rapidez incrível. As vezes isso da a impressão de não estar nem ai para o que acontece a sua volta. Liberdade, é uma coisa muito importante para você e, e por esta razão prefere resolver sozinho seus problemas sem pedir ajuda ou conselhos a quem quer que seja. Não gosta nem de dar nem de receber ordens. E precisa aprender a controlar a teimosia.

Significado do nome Valma - Sua marca no mundo!

DISCIPLINA,PRATICIDADE,LEALDADE,CONFIABILIDADE,GOSTO PELO TRABALHO,SOLIDEZ E EFICIÊNCIA.

Confiança e lealdade é o que se pode esperar da pessoa cuja personalidade é marcada pelo número 4. Alguém que não admite superficialidade e covardia. Muito produtiva e eficiente, faz de sua bandeira a prudência e a disciplina. Com os pés no chão, não se deixa levar por nada que se mostre leviano ou propostas sedutoras demais. Pontual e responsável com seus compromissos, demonstra sempre uma grande estabilidade, fator que a faz respeitável por aqueles que a conhecem. Não deixa nada por acabar e respeita todos os regulamentos, por isso muitas vezes é considerada conservadora. Sua sobriedade não a permite ser muito extravagante, preferindo sempre um estilo mais clássico até no se vestir. Bom senso e discrição são marcas de alguém que leva à sério seus relacionamentos pessoais e profissionais. Uma tendência negativa é a de se tornar inflexivel e sistemática demais com detalhes. Uma forma de equilibrar este ponto e aproveitar as boas vibrações do seu número da personalidade é começar aceitando e considerando mais as opiniões dos outros. Assim a confiabilidade que lhe conferem terá ainda mais valor.

Valma Significado - Numerologia - Expressão 4

COMO O MUNDO TE VÊ?

O número da Expressão revela a missão que tem, o que deve fazer ou ser nesta vida, para que atinja sucesso e alcance suas metas e objetivos. Descreve como você se expressa no mundo. O seu "eu" completo - personalidade, caráter, disposição, identidade, temperamento.Pessoas de numero 4 na Expressão são disciplinadas, honestas e determinadas, relacionam-se muito bem com pessoas de Expressão 6 e 9. São mais preparadas para a realidade "nua e crua" do que a maioria das pessoas, e conseguem suportar melhor a dor física e mental. Trabalham com perseverança para atingir seus objetivos, e normalmente não aceitam receber ajuda de outros ou ganhar dinheiro de forma desonesta. Tem dificuldade em assimilar as novas idéias ou mudanças. Procuram situações sólidas pois querem se estabelecer e se firmar. As atividades profissionais que mais combinam com o número 4 de Expressão são as de construtor, engenheiro, pedreiro, empreiteiro, eletricista, operário especializado, técnico, economista, estatístico, professor, instrutor, organizador, executivo, contador, cientista, médico ou cirurgião, químico industrial, horticultor, músico, comprador, vendedor ou administrador. Procure aprender a controlar a teimosia e a obstinação.

valma Significado - Numerologia - Impressões 11

COMO VOCÊ VÊ O MUNDO?

Mostra a pessoa como é interiormente. Revela como pensa, sente e age. Seu o desejo íntimo da alma, o seu "eu interior", suas esperanças, sonhos, ideais, motivações. As vezes é possível que percebamos essa manifestação, mas talvez não a expressamos como deveriamos ou mesmo não vivemos de acordo com ela, assim estamos reprimindo os nossos sentimentos e impulsos, o que gostariamos de ser ou fazer, estamos adormecendo nossos objetivos secretos, as ambições, os ideais mais intimos.

valma Significado - Numerologia - Anseios da Alma 2

ANIMA - O QUE MOVE VOCÊ? A vibração da ANIMA mostra a impressão que você transmite às pessoas e os efeitos que lhes causam. Deve ser considerado um dos número mais importantes na sua vida. Conhecendo-o poderá entender o planejamento da sua vida. Compreendendo este plano e buscando viver de acordo com seu significado trará mais sentido à sua vida, e a fará mais útil e feliz. Ter consciência dessa vibração ajuda a reconhecer o porquê de suas aversões e gostos. Não desperdiçará um dia sequer de sua vida, e jamais a sentirá inutil ou sedentária na velhice se viver de acordo com as vibrações deste número. 2 - Sua vida é a procura de companheirismo, cumplicidade, amor, casamento e compreensão. Para atrair as amizades que deseja age com getileza e atenciosidade. Pessoas de número 2 geralmente têm capacidades psíquicas que apreciariam desenvolver. E normalmente gostariam de seguir carreira nas artes plásticas ou na música.
Fonte: http://www.significado.origem.nom.br/nomes/?q=valma

domingo, 22 de novembro de 2009

Do trabalho coletivo..

Um dia a gente... 
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Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame
não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode,
pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.
........................

Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém;
algumas vezes você tem que aprender a perdoar-se a si mesmo.
........................

Aprende que com a mesma severidade com que julga,
você será em algum momento condenado.
........................

Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido,
o mundo não pára para que você o conserte.
........................

Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás, portanto,
plante seu jardim e decore sua alma ao invés de esperar que alguém lhe traga flores,
e você aprende que realmente pode suportar...
que realmente é forte e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.
........................

Descobre que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!(shakespeare)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Marcha dos mortos

Os Seminovos - Marcha dos mortos
http://www.youtube.com/watch?v=tnWVJqTKiEs

Um garoto vai à escola
Incapaz de aprender
Porque tudo o que ele come é a merenda escolar...
O seu lanche é quase nada
Farinha superfaturada
Mas quem desviou a grana come caviar

Na porta do Congresso
Acontece um protesto
Só que ninguém vê a grande multidão

É o protesto das almas
Daqueles que se foram
Por falta do dinheiro da corrupção

(Refrão)
Me diga, Vossa Excelência
Como é que o senhor consegue dormir?
Como se dobra a consciência...
Pra se sujar de sangue e não sentir?


Na porta de um hospital
Um doente passa o dia
A espera do atendimento que não vai chegar

Um figurão usou a verba
Pra pagar sua cirurgia
De rejuvenescimento e implante capilar

(Refrão)

E o protesto dos mortos
Enche a Praça dos Três Poderes
Se expande até os palácios
E segue invisível
Invade ministérios
Em busca do impossível
Se expande até os palácios
E segue invisível
Invade gabinetes
Em busca do impossível
Em busca de Justiça...