A terra é naturá
Sinhô dotô, meu oficio
é servi ao meu patrão.
Eu não sei fazê comiço
Nem discuço, nem sermão;
Nem sei as letra onde mora
Mas porém eu quero agora
Dizê, com sua licença,
Uma coisa bem singela,
Que a gente pra dizê ela
Não percisa de sabença.
Se um pai de famia honrado
Morre, deixando a famia,
Os seus fiinho adorado
Por dono de moradia,
E aqueles irmão mais vêio,
Sem pensá nos Evangéio,
Contra os novo a toda hora
Lança da inveja o veneno
Inté bota os mais pequeno
Daquela casa pra fora.
O pai de famia honrado
A quem tô me referindo
E Deus, nosso Pai amado,
Que lá do Céu tá me ouvindo,
O Deus justo, que não erra,
E que pra nós fez a terra,
Este praneta comum,
Pois a terra com certeza
cobra da natureza,
Que pertence a cada um.
Se a terra foi Deus quem fez
Se é obra da criação
Devia cada freguês
Ter seu pedaço de chão
Munta gente não combina
Esta verdade divina
Mas um julgamento eu faço
E vejo que julgo bem
Se sou da terra também
Onde é que tá meu pedaço?
Esta terra é desmedida
E devia ser comum
Devia ser repartida
Um taco pra cada um,
Mode morar sossegado
Eu já tenho maginado
Que baixo o sertão e a terra
Devia ser coisa nossa
Quem não trabaia na roça,
Que diabo é que quer com a terra?
Esta terra é como o vento,
O vento que, por capricho
Assopra, as vez, um momento,
Brando, fazendo cuchicho
ôtras vez, vira o capeta
Vai fazendo pirueta,
Roncando com desatino,
Levando tudo de móio
Jogando arguero nos óio
Do grande e do pequenino.
Se o orguioso podesse
Com seu rancâ desmedido,
Talvez até já tivesse
Este vento repartido,
Ficando com a viração
Dando ao pobre o furacão
Pois sei que ele tem vontade
E acha mesmo que percisa
Gozá de frescâ da brisa,
Dando ao pobre a tempestade
Disso tudo o resurtado
Seu dotô sabe a verdade,
Pois logo os prejudicado
Recorre às otoridade;
E no chafurdo infeliz
Depressa vai o juiz
Fazê as paz dos irmão
E se ele fô justicero
Parte a casa dos herdero
Pra cada qua seu quinhão.
Seu dotô, que estudou munto
E tem boa inducação,
Não ignore este assunto
Da minha comparação,
Pois este pai de famia
É o Deus da soberania
Pai do Sinhô e pai meu,
Que tudo cria e sustenta,
E esta casa representa
A terra que ele nos deu.
Esta terra é como o Só
Que nasce todos os dia
Briando o grande, o meno
E tudo que a terra cria.
O só quilarea os monte,
Tombém as água das fonte,
Com a sua luz amiga,
Protege, no mesmo instante,
seu bom carro de passeio,
sua casa de morá
E a sua loja surtida
O que eu quero nesta vida
É terra pra trabaiá.
Do grandaiáo elefante
A pequena formiga.
Esta terra é como a chuva,
Que vai da praia a campina,
Móia a casada, a viúva,
A véia, a moça, a menina.
Quando sangra o nevuero,
Pra conquistá o aguacero
Ninguém vai fazê fuchico,
Pois a chuva tudo cobre,
Móia a tapera do pobre
E a grande casa do rico.
Esta terra é como a lua,
Este foco prateado
Que é do campo até a rua,
A lampa dos namorado;
Mas, mesmo ao véio cacundo
já com ar de moribundo
Sem amô, sem vaidade,
Esta lua cô de prata
Não lhe deixa de sê grata;
Lhe manda quilaridade.
Pois o vento, o só, a lua,
A chuva e a terra também,
Tudo é coisa minha e sua,
Seu dotô conhece bem.
Pra sabê disso tudo
Ninguém percisa de istudo.
Eu, sem iscrevê nem lê,
Conheço desta verdade,
Seu dotâ, tenha bondade
De uni o que vô dizê.
Não invejo seu tesouro
Sua mala de dinhero
A sua prata, o seu oro
O seu boi, o seu carnero,
seu reposo, seu recreio,
Iscute o que tô dizendo Seu dotô, seu coroné;
De fome tão padecendo
Meus fio, minha muié.
Sem briga, questão nem guerra
Meça desta grande terra
Umas tarefa pra eu!
Tenha pena do agregado
Não me deixe deserdado
Daquilo que Deus me deu.
(Patativa do Assaré)
Nenhum comentário:
Postar um comentário