quinta-feira, 17 de abril de 2008

Terra, mãe violada

A terra é naturá

Sinhô dotô, meu oficio

é servi ao meu patrão.

Eu não sei fazê comiço

Nem discuço, nem sermão;

Nem sei as letra onde mora

Mas porém eu quero agora

Dizê, com sua licença,

Uma coisa bem singela,

Que a gente pra dizê ela

Não percisa de sabença.

Se um pai de famia honrado

Morre, deixando a famia,

Os seus fiinho adorado

Por dono de moradia,

E aqueles irmão mais vêio,

Sem pensá nos Evangéio,

Contra os novo a toda hora

Lança da inveja o veneno

Inté bota os mais pequeno

Daquela casa pra fora.

O pai de famia honrado

A quem tô me referindo

E Deus, nosso Pai amado,

Que lá do Céu tá me ouvindo,

O Deus justo, que não erra,

E que pra nós fez a terra,

Este praneta comum,

Pois a terra com certeza

cobra da natureza,

Que pertence a cada um.

Se a terra foi Deus quem fez

Se é obra da criação

Devia cada freguês

Ter seu pedaço de chão

Munta gente não combina

Esta verdade divina

Mas um julgamento eu faço

E vejo que julgo bem

Se sou da terra também

Onde é que tá meu pedaço?

Esta terra é desmedida

E devia ser comum

Devia ser repartida

Um taco pra cada um,

Mode morar sossegado

Eu já tenho maginado

Que baixo o sertão e a terra

Devia ser coisa nossa

Quem não trabaia na roça,

Que diabo é que quer com a terra?

Esta terra é como o vento,

O vento que, por capricho

Assopra, as vez, um momento,

Brando, fazendo cuchicho

ôtras vez, vira o capeta

Vai fazendo pirueta,

Roncando com desatino,

Levando tudo de móio

Jogando arguero nos óio

Do grande e do pequenino.

Se o orguioso podesse

Com seu rancâ desmedido,

Talvez até já tivesse

Este vento repartido,

Ficando com a viração

Dando ao pobre o furacão

Pois sei que ele tem vontade

E acha mesmo que percisa

Gozá de frescâ da brisa,

Dando ao pobre a tempestade

Disso tudo o resurtado

Seu dotô sabe a verdade,

Pois logo os prejudicado

Recorre às otoridade;

E no chafurdo infeliz

Depressa vai o juiz

Fazê as paz dos irmão

E se ele fô justicero

Parte a casa dos herdero

Pra cada qua seu quinhão.

Seu dotô, que estudou munto

E tem boa inducação,

Não ignore este assunto

Da minha comparação,

Pois este pai de famia

É o Deus da soberania

Pai do Sinhô e pai meu,

Que tudo cria e sustenta,

E esta casa representa

A terra que ele nos deu.

Esta terra é como o Só

Que nasce todos os dia

Briando o grande, o meno

E tudo que a terra cria.

O só quilarea os monte,

Tombém as água das fonte,

Com a sua luz amiga,

Protege, no mesmo instante,

seu bom carro de passeio,

sua casa de morá

E a sua loja surtida

O que eu quero nesta vida


É terra pra trabaiá.

Do grandaiáo elefante

A pequena formiga.

Esta terra é como a chuva,

Que vai da praia a campina,

Móia a casada, a viúva,

A véia, a moça, a menina.

Quando sangra o nevuero,

Pra conquistá o aguacero

Ninguém vai fazê fuchico,

Pois a chuva tudo cobre,

Móia a tapera do pobre

E a grande casa do rico.

Esta terra é como a lua,

Este foco prateado

Que é do campo até a rua,

A lampa dos namorado;

Mas, mesmo ao véio cacundo

já com ar de moribundo

Sem amô, sem vaidade,

Esta lua cô de prata

Não lhe deixa de sê grata;

Lhe manda quilaridade.

Pois o vento, o só, a lua,

A chuva e a terra também,

Tudo é coisa minha e sua,

Seu dotô conhece bem.

Pra sabê disso tudo

Ninguém percisa de istudo.

Eu, sem iscrevê nem lê,

Conheço desta verdade,

Seu dotâ, tenha bondade

De uni o que vô dizê.

Não invejo seu tesouro

Sua mala de dinhero

A sua prata, o seu oro

O seu boi, o seu carnero,

seu reposo, seu recreio,

Iscute o que tô dizendo Seu dotô, seu coroné;


De fome tão padecendo

Meus fio, minha muié.

Sem briga, questão nem guerra

Meça desta grande terra

Umas tarefa pra eu!

Tenha pena do agregado

Não me deixe deserdado

Daquilo que Deus me deu.

(Patativa do Assaré)

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